Doença de Kienbock

O que é a Doença de Kienbock?

 

A doença de Kienbock é uma doença causada pela necrose avascular do osso semilunar. Foi descrita pela primeira vez em 1843 e leva o nome de um radiologista, Robert Kienbock, que detalhou a evolução da doença na época.

Desde então, a ciência se desenvolveu, tanto no diagnóstico quanto no tratamento, e hoje temos um grande arsenal diagnóstico e terapêutico para disponibilizar aos pacientes.

Infelizmente não existe uma forma de prevenir a Doença de Kienbock, pois como veremos, as causas da necrose avascular do semilunar são difíceis de controlar e a sua origem permanece controversa.

O que é necrose avascular de um osso?

 

O termo necrose é usado como sinônimo de morte celular, ou seja, a necrose óssea é quando ocorre a morte das células que compõem o tecido ósseo.

A necrose é dita avascular quando sua causa é a interrupção do fluxo sanguíneo para algum osso específico, gerando necrose parcial ou total daquele osso.

No corpo humano, é relativamente comum ter necrose óssea avascular no quadril (cabeça do fêmur), joelho (côndilo femoral medial), no tornozelo (tálus) e no punho (osso semilunar – doença de Kienbock), mas pode ocorrer em qualquer segmento ósseo que tenha seu fluxo sanguíneo interrompido, seja por um trauma ou por uma doença sistêmica.

O que acontece quando dá necrose no osso?

 

Quando ocorre a morte celular no tecido ósseo, o osso afetado torna-se frágil e tem a sua arquitetura comprometida, podendo ocorrer colapso e perda da sua densidade e formato. Assim, a função desse osso fica parcialmente ou totalmente prejudicada, a depender da extensão do tecido necrosado.

Onde se localiza o osso semilunar?

O semilunar se localiza na primeira fileira dos ossos do carpo e tem formato de “meia-lua”. Possui quatro articulações: 1- com o rádio (na fossa do semilunar); 2- com o escafóide; 3- com o piramidal; 4- com o capitato.

A vascularização do osso semilunar se dá por pequenos vasos, e em algumas pessoas pode ter um padrão de vascularização em “i” com um único vaso responsável pelo suprimento sanguíneo. Esse padrão vascular está mais associado à doença de Kienbock.

 

 

Qual a função do osso semilunar?

O osso semilunar é um osso fundamental para a mobilidade do punho. Juntamente com o escafóide, ele conecta o osso do rádio com a segunda fileira carpal, estando localizado no centro do eixo de movimento de flexo-extensão do punho.

 

Por que acontece a necrose do semilunar na Doença de Kienbock?

A Doença de Kienbock, pode ser secundária a traumas agudos ou repetitivos no punho, como em trabalhadores braçais ou atletas de alto rendimento, mas também pode ser causada por outros distúrbios circulatórios, como:

1- Anemia falciforme – doença hematológica que dificulta o transporte de oxigênio pelas hemácias defeituosas (formato de foice)
2- Lúpus Eritematoso Sistêmico – doença reumatológica que pode também ocasionar diminuição do fluxo sanguíneo ósseo
3- Esclerodermia – da mesma forma que o lúpus, é uma doença reumatológica
4- Uso prolongado de corticóides – o uso de corticoides por tempo prolongado é comum em doenças como asma, doenças reumatológicas e auto-imunes. Essa substância pode aumentar a pressão ao redor dos vasos sanguíneos, prejudicando a circulação e levando a necrose.
5- Tabagismo e/ou alcoolismo – por lesão direta às células ósseas ou diminuição do fluxo sanguíneo por interferir na regulação da pressão dos vasos.

O Kienbock pode ter relação ainda com a posição anatômica da ulna em relação ao radio, com aumento da pressão no osso semilunar em caso de variação ulnar negativa, que é quando a ulna está um pouco mais “baixa” que o rádio na radiografia em posição de frente (antero-posterior). Essa posição da ulna pode acontecer após alguma sequela de trauma mas também pode ser algo constitucional, ou seja, presente desde o nascimento. Esse conceito da sobrecarga mecânica no semilunar pela ulna minus (baixa) vai ser muito utilizado no tratamento cirúrgico para a Doença de Kienbock.

 

Quais os fatores de risco para ter Doença de Kienbock?

É uma patologia mais frequente em homens jovens, trabalhadores braçais, mas pode acometer pacientes de qualquer etnia, idade e sexo.

São fatores de risco:

- Anemia Falciforme
- Doenças reumatológicas (Lúpus ou Esclerodermia)
- Uso prolongado de corticóides
- Tabagismo
- Etilismo
- Alterações anatômicas da ulna (especialmente ulna “minus”)
- Trauma prévio no semilunar (osteonecrose pós traumática)

Quais os sintomas da Doença de Kienbock?

Os sintomas da Doença de Kienbock dependem do estágio da doença. Nas fases iniciais, o sintoma mais marcante é a dor no punho, e pode ter edema associado. Com o passar do tempo e com a progressão do colapso do semilunar devido à necrose, pode ocorrer a rigidez no punho, com perda de força e limitação das atividades funcionais. A dor também está presente nas fases mais avançadas.

 

Qual exame para detectar osteonecrose do semilunar?

A radiografia simples pode diagnosticar o Kienbock, principalmente em fases mais avançadas, através das microfraturas no semilunar, perda da altura carpal e colapso do semilunar, com perda da relação normal entre os ossos do carpo. Geralmente o semilunar se posiciona com desvio dorsal (Dorsal Intercalar Segmentar Instability – DISI) e o escafóide fica fletido, o que causa uma grande limitação funcional no punho.

 

Porém, o melhor exame para detectar a necrose do semilunar precocemente é a ressonância magnética do punho, que vai revelar um baixo sinal tanto na sequência T1 da ressonância quanto na sequência T2, antes mesmo de haver perda da estrutura óssea ou alteração das relações entre os ossos do carpo.

 

Nas fases mais tardias, além de todas essas alterações acima, ocorre sinais de degeneração do carpo (artrose), como uma resposta à disfunção crônica do punho. Na radiografia, se manifesta como aumento de radioluscencia nas articulações, osteófitos, perda do contorno ósseo normal e irregularidades corticais.

A tomografia computadorizada pode ser útil para definir melhor os contornos ósseos e realizar o planejamento cirúrgico.

 

Atualmente, a artroscopia do punho vem ganhando um papel de destaque na Doença de Kienbock, pois ajuda a identificar com maior precisão, através de uma pequena câmera, quais as articulações que apresentam sinais de degeneração (comparado com a ressonância ou tomografia). Assim, a avaliação artroscópica pode modificar a conduta cirúrgica em casos com artrose parcial.

Quais os estágios da Doença de Kienbock?

A classificação mais utilizada para entender os estágios da Doença de Kienbock é a classificação de Litchman (1977), que utiliza parâmetros do raio x e da ressonância em conjunto.

Classificação de Litchman:

Estágio 1 – o raio x simples geralmente é normal, mas pode apresentar uma fratura linear do semilunar, sem perda da altura do osso. A Ressonância é o melhor método nessa fase, pois consegue detectar alterações sutis. A imagem de ressonância vai ser caracterizada por um baixo sinal do semilunar (fica escuro) na sequência T1 e T2. A cintilografia óssea, apesar de pouco utilizada na prática, também seria positiva nessa fase. Clinicamente , o paciente se apresenta com dor no punho, principalmente no dorso, com episódios de melhora e piora.

 

Estágio 2 – começam a ser notadas alterações mais marcantes no raio x, como esclerose (aumento da radioluscência) e fraturas mais visíveis. A radiografia e/ou tomografia computadorizada ainda não mostram colapso do semilunar (sem perda de altura). Clinicamente, o paciente apresenta dor mais constante, associado a edema e rigidez parcial do punho.

Estágio 3 – essa fase pode ser subdividida em duas: 3-A e 3-B

3-A: Esse estágio é marcado pela ocorrência do colapso no osso semilunar. Porém, a altura do carpo como um todo mantém-se preservada, assim como o alinhamento entre o semilunar e os ossos adjacentes como o escafóide. É facilmente identificado em radiografias simples.

3-B: Além do colapso do osso semilunar, os outros ossos do carpo sentem o efeito. Há migração proximal do capitato e flexão do escafóide, causando instabilidade carpal. Clinicamente o paciente apresenta maior rigidez, perda de força de preensão e pode haver estalos ao mobilizar o punho, devido a instabilidade carpal. No raio x identificamos essa fase através de um ângulo de flexão do escafóide maior que 60 graus.

 

Estágio 4 – É o último estágio da doença. Caracteriza-se pela presença de artrose radiocarpal e/ou mediocarpal, visto no raio x com os sinais de esclerose subcondral, diminuição do espaço articular, osteófitos, cistos. Clinicamente a dor é persistente e piora à tentativa de movimentos, que por sua vez possuem uma amplitude cada vez mais reduzida. Também tem edema considerável e perda funcional para muitas atividades.

ATENÇÃO

Importante lembrar que as fases são sequenciais, mas a evolução de uma fase mais branda para uma mais grave pode levar poucos meses ou alguns anos, não sendo tão previsível a cronologia dessa transformação. Muitos pacientes são diagnosticados já em fases intermediárias ou até mesmo mais avançadas, o que irá diminuir as possibilidades de tratamento, como veremos a seguir. Por isso, não se deve hesitar em procurar o especialista em mãos assim que identificar um quadro doloroso no punho.

Quais os tratamentos para a Doença de Kienbock

Infelizmente, uma vez que a necrose do semilunar está estabelecida, não é possível reverter o processo de morte celular já iniciado. O princípio do tratamento da Doença de Kienbock, portanto, consiste em estabilizar a doença e evitar a sua progressão.

Assim, as principais medidas que podemos tomar para tratar a Doença de Kienbock visam um ou mais desses 3 objetivos:

- Retirar parte da carga mecânica que passa pelo semilunar
- Promover a revascularização do osso semilunar necrótico
- Amenizar as sequelas já estabelecidas com cirurgias ósseas de “salvação” (geralmente artrodeses ou ressecções ósseas)

Desta forma, quanto mais precoce o diagnóstico, maiores vão ser as chances de um tratamento bem sucedido, com boa função do punho.

Por outro lado, existem procedimentos a serem feitos mesmo nos casos mais avançados, e essas cirurgias podem melhorar muito a qualidade de vida das pessoas com Doença de Kienbock.

No estágio 1, onde ainda não houve colapso do semilunar, mas já observamos sinais de baixa perfusão na ressonância, podemos tratar de forma conservadora, com imobilização, mas nesse caso devemos acompanhar com exames seriados e poupar o punho dos esforços físicos.

 

Nos estágios 1,2 e 3 A, os procedimentos de nivelamento articular (encurtamento do rádio ou alongamento da ulna) são indicados nos casos que apresentam ulna “minus”(ulna mais baixa que o radio na radiografia), pois este procedimento reduz boa parte da carga que passa pelo semilunar.

 

Outras técnicas para reduzir a carga no semilunar podem ser utilizadas mesmo se não houver uma ulna “minus”, como por exemplo a cirurgia de Almquist (encurtamento do capitato) ou a osteotomia em cunha de fechamento do rádio (para reduzir a inclinação radial).

Existem ainda algumas técnicas de revascularização do osso semilunar, através do uso de enxertos ósseos vascularizados ou implante de vasos de outras regiões do punho para o semilunar. Esses procedimentos só são possíveis de ser realizados até o estágio 3-A.

 

Para o estágio 3-B, onde já há colapso com instabilidade carpal, as alternativas possíveis são artrodeses parciais ou carpectomia proximal. Essas cirurgias ajudam o paciente a ter menos dor, apesar de uma pequena restrição na mobilidade do punho. A Artroscopia do punho, quando realizada nesse estágio, ajuda na escolha da melhor técnica cirúrgica.

 

No estágio IV, onde já temos uma sequela degenerativa no punho, nos restam opções de “salvação”, que visam redução da dor, mas não conseguem recuperar a função plena do punho, como a carpectomia proximal ou artrodese total do punho.

 

PERGUNTAS FREQUENTES (FAQ’S):

1 Doença de Kienbock é grave?

Sim! A Doença de Kienbock pode causar uma grave perda de função do punho, devido à desorganização estrutural que a necrose do semilunar irá causar no arcabouço ósseo do punho. Essa alteração mais profunda acontece nos estágios mais avançados, tipo 3B e 4.

Por isso, é muito importante diagnosticar nas fases mais precoces, pois temos mais opções de tratamento e maiores chances de evolução favorável, com um punho indolor e com mobilidade adequada. O melhor a ser feito é procurar o especialista de mão para qualquer quadro doloroso persistente (mais de 5 dias).

Mas não se assuste. Se você tem a Doença de Kienbock, mesmo em estágios avançados, saiba que existem algumas boas opções de tratamento para controlar a dor e evitar a progressão da doença.

2 A Doença de Kienbock tem cura?

Quando diagnosticado nas fases mais precoces, sim, há chance de interromper o processo de isquemia do semilunar e reverter a uma situação de normalidade.

Uma vez estabelecida a necrose óssea do semilunar, dificilmente conseguimos reverter esse processo. Existem algumas cirurgias que promovem a revascularização parcial do semilunar, porém só tem indicação de ser feito em casos específicos, avaliado caso a caso.

Em resumo, há cura somente se diagnosticado muito precocemente. A boa notícia é que existem várias ferramentas terapêuticas para tratar a dor e a diminuição da mobilidade, com resultados excelentes, mesmo nos casos mais avançados, permitindo ao paciente retomar uma vida normal e indolor em muitos casos.

Dr. Lucas Macedo
CRM SP 178413